Já vos disse que visitei o Buda?
by
Ruthia
- 10:00
Hoje despeço-me do Oriente num lugar cheio de paz, com um provérbio
chinês que diz "不怕慢,就怕站" (não
tenhas medo de ir devagar, tem medo de ficares parado). Ainda tenho muito
mundo para desvendar mas... devagar se vai ao longe
Deixei o agitado coração de Hong
Kong para trás, num comboio ultra-rápido que me levou até Lantau, a ilha maior
e também a mais deserta. Lantau tem três lugares importantes: o aeroporto
internacional de HK (uma das portas de entrada para a China), o parque da Disney e um
Buda maravilhoso, no topo de uma montanha. O maior buda sentado ao ar livre do
mundo!
Subimos até lá para visitar o Tian Tan Buddha, mais conhecido como Big
Buddha, num autocarro lotado e sem ar condicionado, num dia em que a
temperatura rondaria os 40ºC. "That Buddha better be big and awesome!",
disse eu para um dos meus companheiros, enquanto tentávamos não cair para cima
de outros passageiros, sortudos por irem sentados numa estrada cheia de curvas.
Na verdade, o Buda é maior e mais fantástico do que a minha fantasiosa imaginação congeminou. Uma guarda de honra de 12 generais divinos antecede o pacífico gigante, sentado numa flor de lótus e voltado para norte, para proteger o povo chinês.
O seu semblante sereno acalma
esta ocidental de cabeça sobreaquecida: a mão direita está levantada numa bênção
"fear-not mudra", reveladora do seu voto e da sua missão, a saber,
eliminar o sofrimento de todo o ser vivo. Mas para ver de perto esta magnífica
estátua de bronze (com um pouco de ouro no rosto), de 34 metros de altura e mais
de 250 toneladas, tenho que vencer 268 degraus.
268 degraus e um calor
abrasador! Vi vários turistas a desistirem. Por outro lado, um venerável monge
não só subiu sem sinal de fadiga, como ainda se ajoelhou em cada escada,
reverenciando o Buda.
Seis devas femininas ajoelham-se
aos seus pés, oferecendo flores, incenso, luz, unguentos, fruta e música, que
simbolizam algumas virtudes essenciais: caridade, discernimento, paciência,
zelo, meditação e sabedoria. Juntei-me a elas numa contemplação muda, a ponto
da esmagadora paisagem em redor quase me passar despercebida.
Despertei do meu transe para me
abrigar do sol e, no interior, pude conhecer alguns pormenores interessantes
sobre este lugar. Primeiro, surgiu aqui um pequeno mosteiro (1906), que
sofreu vários acréscimos ao longo dos anos. A estátua do Buda é bastante
recente neste contexto, data apenas de 1993, depois de 12 anos de trabalhos
realizados pelo Departamento de Aeronáutica da China.
O meu lugar favorito
Estou plenamente consciente que
conheço uma ínfima parte deste país de dimensões continentais. Não fui sequer à
capital, à grande muralha, ao mausoléu de Mao Zedong, à Cidade Proibida, ao palácio de Verão em
Pequim. Mas já tenho um lugar preferido na China, que será muito difícil de
destronar.
Não sei quanto tempo permaneci
junto ao Grande Buda mas, eventualmente, acabei por descer para almoçar e visitar
o templo de Po Lin, ali ao lado, um dos mais importantes santuários budistas do
sul da China, residência de muitos monges como aquele que vi, no seu caminho de
fé.
Vários peregrinos concentram-se
à entrada do complexo, para queimar incenso, prática proibida no interior,
possivelmente para impedir intoxicações, dada a quantidade que é queimada diariamente.
Antes de entrar no templo
principal, leio os caracteres "Po Lin", que significam lótus precioso
(símbolo budista para pureza) e, na quietude do interior, sou recebida por três
estátuas de Buda, representando as suas vidas passadas, presentes e futuras.
Cada edifício é maravilhosamente trabalhado, dos tectos coloridos pendem
grandes lanternas, e uma paz envolve-nos, com um cobertor quente numa noite de
chuva.
E, quando acho que nada mais me pode
surpreender, chego ao Great Hall of Ten
Thousand Buddhas que, como o nome indica, possui milhares budas incrustados
nas paredes, em pequenos nichos, e algumas maiores, tão douradas quanto
emocionantes.
Sabem que não sou uma pessoa
religiosa mas, na verdade, há lugares que nos falam à alma, ao nosso lado
espiritual. Senti esse apelo em três sítios
distintos, na minha curta existência: em São-Pedro-de-vir-a-Corça (Idanha, Portugal),
na église de la Madeleine (Paris) e no mosteiro de Po Lin (Lantau). Sinto-me
muito abençoada por ter vivido estes momentos que, infelizmente, não posso
partilhar convosco, porque as palavras são sombras esconsas de algo maior!
É com este
sentimento de paz que me despeço, para já, da China! 再见, 中国!
::::
P.S. - Tanto os templos do complexo de Po Lin como
o Buda de Tian Tan têm entrada gratuita. Exige-se apenas aos visitantes
respeito e vestuário adequado.
P.S.1
- Ficou por realizar o "caminho da sabedoria", adjacente ao templo. A
caminhada passa por 38 colunas de madeira, dispostas num padrão de infinito (∞),
onde o professor Jao Tsung-I esculpiu o Heart Sutra. Esta oração breve enaltece a meditação e o caminho da
sabedoria e é pronunciada por budistas, taoistas e confucionistas.